Ene Capítulos

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terça-feira, março 21, 2006

Rubrica – As perguntas que nunca foram feitas IV



Dando continuidade a uma tradição que já se começava a esfumar com o passar dos tempos, Ene Capítulos decidiu reciclar a esta rubrica para a primeira página do Blog. Desta vez destacamos um problema que ganha terreno na sociedade moderna – a Capitalismodependência. Esta doença do foro neurológico e carteirológico abrange uma fina franja da sociedade, normalmente as classes mais altas (XL, como os ovos). Trata-se, no fundo, do terror que as pessoas abastadas têm de ficar sem um tostão. As recentes OPA’s que dominam a economia portuguesa são um dos sintomas, bem notórios, que esta fobia já está no nosso território e propaga-se a uma velocidade galopante. Outra prova consiste no Grupo de Apoio entretanto criado para tentar guiar estas pessoas e ensiná-las a viver saudavelmente enfrentando os próprios medos. Este núcleo funciona num Spa lá para os lados de Cascais e a discrição pedida obriga-nos a não revelar a localização exacta. Foi lá que Ene Capítulos encontrou Fernando Pais do Cifrão capitalistodependente confesso, mas em franca recuperação. Seguidamente transcreve-se um excerto dessa entrevista , sendo certo que muito mais haveria a dizer:
Ene Capítulos (EC) – Boa tarde senhor Eng.º Fernando Pais do Cifrão. Como está?
Eng.º Pais do Cifrão (PC) – Bem obrigado. Mas ficaria melhor se tirasse a mão da minha carteira...
EC – Mas eu não tenho a mão na sua carteira!
PC – Desculpe lá... São reminiscências da minha maleita. Já agora podia largar o livro de cheques que está a segurar?
EC – Mas isto é um microfone!
PC – Ah pois é! Perdoe-me...
EC – Vamos lá começar. O senhor Eng.º é um capitalistodependente. Pode explicar aos nossos leitores o que isso significa!
PC – Olhe é terrível! Não desejo isto a ninguém, nem ao meu pior inimigo. Os sintomas são pavorosos e ficamos com uma sensação... desagradável durante o dia, como se tivéssemos o rabo assado. Não que isso já me tenha sucedido, mas já ouvi falar.
EC – Claro. Mas pode especificar como começou a notar o seu mal?
PC – Bom, tudo surgiu quando estava a efectuar a minha última lipoaspiração. Tinha uns quilos a mais na barriga. Na altura lembro-me perfeitamente de começar a pensar que aquilo ia sair caro, mas não liguei muita importância a isso.
EC – E depois o que sucedeu?
PC – Acontece que depois de sair da clínica caíram-me na conta duas prestações: a mensalidade do Spa e a quota do Clube dos empresários. O terror abateu-se sobre mim quando notei que não tinha cash flow para pagar!
EC – Não me diga que tinha ido à falência enquanto lhe tiravam a gordura do corpo?
PC – Claro que não, não seja tonto! Eu tinha dinheiro, só que na altura estava todo empatado entre acções e fundos de investimento, imóveis e as 5 empresas que detenho. Tinha-me esquecido de liberar uma verba para as minhas despesas correntes, que suportam o meu nível de vida.
EC – E qual é o seu nível de vida?
PC – Neste momento consegui chegar ao nível 18, mas estou a ficar sem créditos. A sorte é que já salvei a vida. Mesmo que aconteça o horrível game over, posso sempre recuperar a vida salvada e começar desse nível.
EC – É justo. Mas conte-me uma coisa. Ouvi falar que o senhor Eng.º fez um estágio num mosteiro budista...
PC – É verdade. Com efeito executei esse estágio, subornando o Dalai Lama.
EC – Não posso acreditar. Mas como?
PC – Ofereci-lhe um iaque, 5 canas de bambu e um pack de coca-cola.
EC – Compreendo. Mas qual era afinal o objectivo desse estágio?
PC – Ora o que eu realmente pretendia era dominar a técnica dos monges budistas de adormecer com os olhos abertos. Assim poderia parecer que estava sempre a trabalhar nas minhas empresas, mesmo que tivesse a fazer a sesta. É uma questão de não denegrir a minha imagem perante os funcionários.
EC – E conseguiu dominar essa famosa técnica?
PC – Com efeito, não. Aquilo para aqueles lados é muito duro. Não sei como é que eles conseguem viver sem sauna ou jacuzi. Nem um ecrã de plasma com televisão com satélite ou computador com acesso à internet têm.
EC – Então decidiu abandonar essa demanda?
PC – Claro! Depois de ter escapado ileso a 3 ataques de pandas gigantes de pelúcia e 7 explosões de rebentos de soja, achei melhor não abusar da sorte.
EC – Mas, no entanto, sei de fonte segura que o senhor Eng.º consegue dominar a técnica de dormir com os olhos abertos. Como conseguiu sozinho?
PC – Vou adiantar-lhe isto em primeira mão. Estava a guardar para as minhas memórias, porque hoje em dia até os concorrentes de reality shows escrevem livros, mas como simpatizo consigo vou dizer-lhe. Eu fiz uma operação em que retirei os tendões das pálpebras obrigando estas a estar sempre recolhidas, logo os olhos abertos.
EC – Sendo do conhecimento público a sua maleita, até que ponto essa operação o ajudou a superar o trauma?
PC – Simplesmente agora ando sempre com os olhos mais abertos. E desde aí nunca mais me esqueci de provisionar a minha conta à ordem com, pelo menos, cem mil euros para despesas fixas. O chamado dinheiro de bolso.
EC – Mas se alguma das suas empresas tiver dificuldades vai precisar desse dinheiro para efectuar uma injecção de capital?!
PC – Nada disso, está muito enganado. Uma das técnicas que neste grupo de apoio ensinam para enfrentar a doença é que, em caso de problemas económicos nas empresas, basta efectuar cortes orçamentais ou despedimentos em massa.
EC – Parece-me plausível... Resta-me despedir-me do senhor Eng.º e desejar-lhe as melhoras.
PC – Muito obrigado. Mas antes de sair poderia cá deixar o meu cartão de crédito que trás pendurado no peito?
EC – Sr. Eng.º isto é o cartão de visitante aqui do Spa...
PC – Ah... Então vá...

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